Orçamento em declínio: 64º Encontro da Regional Nordeste III do Andes alerta para políticas de cortes que asfixiam as universidades

05/11/2025

Além de refletir sobre as ameaças e os riscos da reforma administrativa para a classe trabalhadora, o 64º Encontro da Regional Nordeste III do Andes-SN destacou a urgência de enfrentar o subfinanciamento das universidades públicas. O tema, debatido em detalhes na mesa sobre austeridade e orçamento, evidenciou o impacto do corte de recursos sobre as condições de ensino e permanência estudantil na Bahia e no país. Uma análise da conjuntura política e econômica também foi realizada durante o evento que ocorreu nesta sexta e sábado, 31 de outubro e 1 de novembro, em Feira de Santana.

Orçamento universitário estrangulado
O tema dos recursos destinados ao ensino público superior foi o cerne da mesa “Austeridade e orçamento das universidades públicas” que ocorreu na tarde de sábado. A coordenadora do Fórum dos ADs e professora da UNEB, Karina Sales, apresentou pesquisa realizada por Ane Faria Alencar, mestra em Educação pela UESB, quando examinou o orçamento destinado às quatro universidades estaduais baianas, durante a gestão do ex-governador Rui Costa, hoje ministro da Casa Civil do governo Lula.

De acordo com a pesquisa, durante os oito anos da gestão de Costa, o orçamento realizado sempre esteve abaixo do autorizado, revelando a escolha política pelo corte dos repasses. Além disso, os percentuais de investimento foram baixos, impactando no funcionamento e expansão das instituições. Sales recordou que, há anos, uma bandeira importante do FAD tem sido a aplicação de 7% da Receita Líquida dos Impostos (RLI) nas UEBAS com previsão de dotação orçamentária nunca menor que o ano anterior.

“Nós temos defendido a necessidade do aumento do orçamento para as universidades. Mesmo com muita luta, o governo segue aplicando indices inferiores à  5% da RLI. A destinação continua insuficiente e impacta o tripé de ensino, pesquisa e extensão das Universidades Estaduais da Bahia. Este ano vamos mais uma vez buscar debater, na Assembleia Legislativa do Estado, meios para elevar o orçamento das universidades. É algo que tem implicação direta em temas como assistência e permanência estudantil”, afirmou Sales.

Compondo a mesa, o professor da UFBA e segundo tesoureiro do Andes, Diego Marques, também destacou que o tema se projeta de forma direta e objetiva nas condições de trabalho e nas rotinas de docentes e alunos(as). Marques focalizou diversos números e dados apontando para o ciclo regular de desfinanciamento das universidades, centros e institutos federais de educação nos últimos 10 anos.

De acordo com dados aproximados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, apresentados por Marques, em 2008 o número de alunos nas instituições federais era de 643 mil em 55 instituições. Tomando em conta os recursos destinados então, cada aluno representava cerca de R$ 13,3 mil/ano do orçamento. Em 2014, após o processo de expansão, o número de alunos praticamente duplicou para 1,2 milhão em 68 universidades, quando cada aluno representava então cerca de R$ 11,8 mil/ano do orçamento destinado. Dados já consolidados de 2025 apontam que são cerca de 1,6 milhão de alunos para um orçamento de R$ 6,5 bilhões para 69 universidades, o que representa R$ 4,9 mil reais em despesas/investimento por aluno/ano.

E isso tomando em conta valores deflacionados, sem levar em conta a inflação do período. Estamos falando de uma redução de custo aluno de 63% de 2014 para hoje. É óbvio que isso vai impactar na qualidade do ensino, no suporte à permanência e manutenção desse aluno que encontra cada vez mais dificuldade. Mesmo com eventual objeção que se possa fazer, é a própria expansão e a pluralização da composição de alunos(as) que se alcançou nos últimos anos que está ameaçada com a austeridade orçamentária”, pontuou Marques.

Ainda de acordo com o dirigente do Andes, também os reajustes salariais alcançados pela categoria de 2016 a 2024 seguem muito aquém das perdas inflacionárias. Estas acumularam cerca de 50,7% no período. Outro dado apontado foi que as rubricas com investimentos propriamente ditos, tiveram uma queda de 87% nos últimos 12 anos.

Outro tópico muito debatido pelos presentes durante a mesa foi a utilização de emendas parlamentares funcionando já em diversos casos como o principal meio de dotação orçamentária de cursos e instituições e os potenciais lesivos de que o expediente pavimente o caminho para interferências alheias, ferindo a autonomia universitária. Como meio para conter o problema, a constitucionalização dos recursos discricionários para as instituições foi apontada como resposta.

Desafios da Conjuntura
A primeira mesa do 64º Encontro da Regional Nordeste III ocorreu ainda na noite da sexta, 31 de outubro. Com o título “Crise do Capitalismo, seus Efeitos e Resistências”, a mesa promoveu uma ampla análise da conjuntura do país. Nas palavras do professor Elson Moura, da UEFS, o momento hoje pode ser resumidamente caracterizado como “complexo, difícil e desfavorável” para o conjunto de forças progressistas que almejam uma vigorosa transformação social.

Para a categoria docente, Moura apontou que as mudanças no mundo do trabalho e os avanços tecnológicos estão reduzindo cada vez mais o papel das universidades na formação da classe trabalhadora e, portanto, do interesse do capital em seguir considerando o investimento em educação superior pública uma necessidade. Ademais, Moura ressaltou que em um cenário de acomodação e resignação é preciso divulgar os “coágulos de resistência” para fortalecer um imaginário alternativo.

Militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Fabiano Paixão discorreu sobre a necessidade do Brasil desenvolver um novo programa e modelo de mineração com a questão se tornando cada vez mais estratégica no arranjo geopolítico. Segundo dados apontados por Paixão, o Brasil responde por cerca de 23% das reservas em terras raras (ricas em minerais cruciais para a fabricação de condutores, motores elétricos, turbinas eólicas, baterias, equipamentos médicos, entre outros) os EUA possuem apenas 2% das mesmas e a China possui tanto as maiores reservas, 60%, como o maior processamento delas.

Ainda para o militante do MAM, a expansão econômica da China e seu papel cada vez maior na política internacional abre uma nova multipolaridade no globo. Para Paixão, independente de como se caracterize o modelo de desenvolvimento chinês, as contradições do capital a nível global são fato novo que podem abrir janelas para a classe trabalhadora.

A professora Márcia Freitas, da Faculdade de Educação da UFBA, destacou os desafios para que a classe trabalhadora se organize para além do trabalho, assim como o papel desempenhado pela divisão sexual e racial do trabalho nas estratégias de precarização.

Freitas também frisou as adversidades para construção de pensamento crítico sobre a realidade em um cenário de captura da subjetividade pelo pressuposto concorrencial e, especialmente, pela “terceirização do pensar”. “O avanço do mundo digital e suas respostas enviesadas e velozes tem operado como substitutos à elaboração mais lenta e independente que caracteriza o esforço do pensamento”, destacou.

Em confluência com Freitas, o professor da UESB e tesoureiro do Andes-SN, Sérgio Barroso, também frisou a necessidade de reconhecer os recortes que marcam a classe trabalhadora, ao contrário de tratá-la simplesmente como uma categoria abstrata e sem variações. Prenunciando a mesa sobre a reforma administrativa, Barroso caracterizou a proposição como a tentativa de expandir o desmonte das leis trabalhistas promovidas por Michel Temer ao conjunto dos servidores públicos e apontou essa pauta como desafio imediato a ser encarado e derrotado.

Texto e Imagens: Ascom Fórum das ADs.

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