A universidade ainda é um espaço excludente para pautas antirracistas, destaca professora Adriana Dantas
01/08/2022
O mês de julho foi marcado pela intensificação das lutas em defesa das mulheres negras. Demarcado
pelos movimentos de mulheres como Julho das Pretas, o mês é fruto de uma luta
histórica de grandes referências de luta como Lélia Gonzalez, Luiza Bairros,
Beatriz Nascimento, Sueli Carneiro e muitas outras ativistas que dedicaram e
dedicam suas vidas pelo fim das desigualdades raciais e de gênero. É no mês de
Julho, dia 25, que é celebrado O Dia da Mulher Negra, Latina e
Caribenha que foi instituído em 1992 no 1º Encontro de Mulheres
Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, na República Dominicana.
No dia 25 de julho,
celebramos também o Dia Nacional de Tereza de Benguela. Tereza de Benguela, a
Rainha Tereza, foi uma liderança destacada entre as mulheres negras e
indígenas, no século XVIII, quando esteve junto ao Quilombo de Quariterê, no
Mato Grosso, onde morreu resistindo contra a exploração e o racismo. As duas datas
marcam a resistência e luta das mulheres em um país em que negras são as
principais vítimas de violência doméstica, política, obstetrícia, policial, de
assédio moral e sexual.
As lutas pelo fim das
desigualdades não se limitam ao mês de julho nem aos espaços convencionais de
ativismo. Para falar mais sobre este tema, dialogamos com a professora da
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Adriana Dantas, sobre esta
temática e os desafios enfrentados na universidade para manter estas questões
em pauta, não apenas para grupos específicos. A professora Adriana Dantas, é
historiadora de carreira, coordenadora do Lecadia
- Laboratório de Estudos Conexões Atlânticas e Diáspora africana: cultura
afro-brasileira e indígena (UEFS) e, ocupou o cargo de diretora do
Departamento de Ciências Humanas e Filosofia (DCHF) entre 2018 e 2021.
Para ela, a ampliação das organizações de mulheres negras também com a expansão das
redes sociais, auxiliou no aumento da visibilidade das pautas deste grupo. O
Odara – Instituto da Mulher Negra, na Bahia, é o responsável pela instituição
da concentração das lutas no mês de julho. O denominado Julho das Pretas ocorre
há quase 10 anos de forma organizada. Apesar dos avanços em termos de
visibilidade, a violência racial e de gênero ainda é um dos grandes desafios
das organizações ativistas, na luta pelos direitos das mulheres negras. Em ano
de Eleições, precisamos destacar que este é também um problema predominante nos
partidos políticos que, muitas vezes, inviabilizam o acesso de mulheres às
posições de poder.
Os partidos são
estruturados a partir de uma visão política machista e racista, destaca a
professora Adriana Dantas, que faz uma análise do cenário: “As mulheres têm
grande participação nos partidos porque elas são as grandes ativistas.
Historicamente, elas foram grande incentivadoras e tiveram grande participação
na construção, no entanto, elas sempre foram excluídas e deixadas em um outro
lugar, como se elas estivessem ali para sustentar a representação masculina,
para somente dar sustentáculos para que os homens aparecessem e pudessem falar
aos microfones e se dirigir ao público”, afirma.
O enfrentamento é
contínuo e conta com pressão interna e externa nos partidos políticos para que
estes revejam suas posições, sobretudo, os mais progressistas e de esquerda,
avalia a professora. A expectativa para estas eleições é a diminuição das candidaturas
laranjas e ampliação do diálogo para maior ocupação das mulheres negras nos
espaços do poder.
Para Adriana Dantas, a
forma mais contundente de luta tem sido a organização coletiva e ampliação da
visibilidade sob as denúncias, nesse sentido, alguns nomes se destacam como o
da pesquisadora Maria Aparecida Silva Bento, referência na denúncia sobre a
opressão de mulheres negras no mercado de trabalho, e o da filósofa Sueli Carneiro. Novos nomes tem surgido com o
acesso à universidade: “Uma nova geração que está entrando na academia e
construindo essa discussão antirracista engrossa esse campo dos estudos das
epistemologias interseccionais e antirracistas”, explica a professora. Ela destaca o papel importante da academia neste
processo: “As mulheres estão entrando na academia e se formando em áreas
estratégicas. Estão se organizando dentro da mobilização para defender os
negros de modo geral, mas, principalmente, o direito das mulheres negras. O
enfrentamento está em vários campos, não só na Marcha de Mulheres Negras nas
ruas, mas no campo da denúncia, do cyberativismo na internet, nas mídias, e também
nesse ativismo de produção, de organização de estudo de aprofundamento de
organização de espaços”, explica.
No ambiente acadêmico
da UEFS, Adriana Dantas fala da importância do papel do grupo Lecadia que
surgiu em 2017 também com este enfrentamento, mas reitera a participação de
outros grupos e, sobretudo, da mobilização dos estudantes, na vanguarda da
reivindicação pela ampliação das discussões antirracistas nesta instituição que,
para a docente, ainda é um espaço excludente desde a formação dos/das
próprios/as docentes: “Vivenciamos cotidianamente o epistemicídio dentro da
universidade. O machismo, o sexismo epistêmico e o racismo epistêmico que é a
exclusão de determinado pensamento, fala e pesquisa, feita e organizada por
mulheres, principalmente de mulheres negras”, relata.
As queixas por parte
dos estudantes que não se sentem acolhidos são recorrentes, o que é um problema
também da forma como o ativismo social é encarado, de modo geral, pela academia:
“A universidade precisa se reconectar com essa produção de saber que vem da
própria experiência, a gente fala tanto da experiência, mas joga na lata do
lixo a produção do saber a partir da experiência efetiva dos movimentos
sociais”, afirma.
Além da construção de
mais espaços de formação e troca de experiências, é importante mudar a relação
que se estabelece com a pesquisa, analisa a professora: “A primeira coisa é
reconhecer que não trabalhamos com objeto, trabalhamos com sujeitos; A segunda
coisa é reconhecer que o ativista, os homens negros, as mulheres negras, podem
e devem escrever suas próprias histórias e construir seus próprios saberes”,
conclui.
O caminho ainda é
longo, avalia a professora Adriana Dantas, e os desafios colocados para
docentes é o de fazer mais pesquisas, trazer novos pensadores, ampliar a
visibilidade para a discussão, promover eventos e tentar “furar a bolha” para
agregar novos grupos de interesse. Ativistas têm mostrado que o caminho
perpassa pelo reconhecimento da experiência como mola propulsora para expandir
a rede de identificação, aprofundar as discussões e fortalecer as organizações
para a construção de mais políticas públicas
na luta pela redução das violências raciais e de gênero.