"A Estética Afirmativa é um movimento revolucionário que inverte o estigma em estima", professora Ivy Guedes fala sobre o poder da estética no fortalecimento da identidade negra.

25/07/2023

A brancura como padrão universal de beleza sempre foi um importante aspecto de preservação de valores racistas de uma sociedade em que a cor da pele ainda é fator determinante para definir quem vive e quem morre, quem tem melhores condições de vida e quem vai amargar o peso da desigualdade racial por meio de violência, desemprego, falta de assistência, miséria e fome. A percepção dos movimentos negros acerca da importância da estética como forma de fortalecimento da identidade negra sempre foi reivindicada e se transformou em mote para mobilizações históricas, como o movimento Black Power, nos Estados Unidos, que colocou os cabelos crespos no centro da beleza e contribuiu para uma afirmação positiva da pele preta e parda em diversos pontos do mundo.

 

Embora os traços representativos da negritude ainda influenciem significativamente na forma como pessoas negras são tratadas institucionalmente e nos convívios cotidianos, há alguns anos que é perceptível um movimento contestatório sobre o padrão de beleza e seus significados, principalmente, entre jovens. A este movimento crescente, a professora  do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), integrante do Coletivo de Docentes Negros, Negras e Negres  da UEFS e uma das fundadoras da Marcha pelo Empoderamento Crespo, em Salvador, , Ivy Guedes, chama de Estética Afirmativa que é também o título do seu livro ESTÉTICA AFIRMATIVA – Corpo Negro e Educação Física.

 

Como explica a autora, o livro é o resultado de uma investigação feita com um grupo de estudantes da escola pública, cujo foco se dá na relação do ensino da Educação Física e a corporeidade negra. A produção reflete sobre a estética como uma das ferramentas de luta para o empoderamento da juventude negra. Aproveitamos a oportunidade para conversar com a professora Ivy Guedes sobre o impacto da estética da vida de meninas e mulheres negras, principalmente para as mais retintas: É secular o estigma que recai sobre as mulheres negras crespos e retintas. Silenciadas é anuladas como humanas. Desde que foram trazidas para as Américas como " mercadoria. Portanto como ' coisas' nunca foram tratadas em equidade com as mulheres brancas.  A estética afirmativa é um movimento revolucionário que inverte o estigma em estima. O empoderamento Crespo trouxe para as mulheres a auto estima a partir  da transição capilar e esse movimento criou redes que ressignificaram a negritude e o afrontamento a um padrão estético branco heteronormativo”, afirma.

 

A professora destaca a importância das redes sociais na formação de redes de apoio que contribuíram na construção de coletivos negras e uniram mulheres que buscavam a transição capilar como forma de resgate das identidades negras e, a partir de então, agregou outras pautas: “O Coletivo Marcha de Empoderamento Crespo surgiu das comunidades de transição capilar do Facebook e reuniu centenas de mulheres em inúmeros  eventos de formação  política pelo viés da estética.  E desde então, o empoderamento crespo reverbera em diferentes pautas em que o Racismo de alguma forma é atravessado a exemplo no feminicídio, transfobia na homofobia”.

 

Embora a pesquisa do livro esteja centrada na escola pública, a professora Ivy faz uma análise sobre o movimento da estética afirmativa também no Ensino Superior, principalmente, entre as jovens negras: “No ensino superior o que tenho observado é a dificuldade em romper com a branquitude. A universidade não foi criada para negros, negras e negres terem assento nos cursos. Para esses corpos o 'lugar' é da subalternidade o servir e a submissão.  Com as Políticas de Ações Afirmativas nós o movimento social negro furamos a bolha. É sem dúvida uma grande vitória a implementação das cotas Raciais. No entanto, é dentro desse espaço que avalio uma dura realidade para esses corpos, que vivenciam continuamente práticas Racistas. E não consigo identificar a potência do Empoderamento negro oriundo por parte dos discentes que devem se fortalecer para enfrentar essa luta”.


Os impactos do racismo na universidade resultam em quadros de adoecimento que precisam ser enfrentados para que avanços mais significativos sejam alcançados na  luta contra a desigualdade racial e de gênero:  “São muitos os adoecimentos no ambiente acadêmico,  a universidade precisa se reorganizar no sentido do acolhimento, formação política  e de estratégias de engajamento dessa negritude que é tão presente mas que trava duras lutas individuais de permanência  e sobrevivência na universidade.  Destaco que, hoje mais do que antes, o Empoderamento da juventude ampliou a ocupação desses corpos em diferentes setores, mas é sabido que ainda vivemos numa sociedade racista que insiste em não nos enxergar e oportunizar que possamos viver em equidade e com justiça de direitos”, conclui a professora Ivy Guedes.

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