Processo de militarização nas escolas é um grave dano para a educação brasileira que não se encerra com o fim das escolas cívico-militares

20/07/2023

No último dia 12 de julho, o Ministério da Educação anunciou que chegou ao fim Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), criado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em 2019. Segundo dados do próprio Ministério, em todo o país 216 escolas aderiram ao programa. A decisão, no entanto, não encerra com o processo de militarização nas escolas, isso porque, apenas os modelos vinculados ao Pecim serão encerrados. As escolas que são ligadas aos programas estaduais ou municipais podem continuar suas atividades no mesmo modelo já que prefeitos e governadores têm autonomia legal para manter o projeto.


Isso significa dizer, por exemplo, que os colégios militares continuarão a existir, isso porque são vinculados ao Ministério da Defesa ou tem convênios diretos com a Polícia Militar, logo, não possuem vínculo com o Ministério da Educação. Em Feira de Santana, o governo Colbert afirmou em entrevista ao Programa de Rádio  “Acorda Cidade” do último dia 11 de julho que fará todos os esforços para a manutenção da Escola Cívico Militar 15 de Novembro, única do estado da Bahia. A decisão contrasta com o quadro de precariedade em que se encontram o conjunto de escolas da Rede Municipal de Ensino que deflagram problemas desde ausência de merenda escolar, funcionários de serviços gerais e ausência de professores efetivos, diversas vezes denunciado ao longo dos últimos anos.


Até 2022, somente no estado da Bahia, em 98 escolas foram implementadas o método de ensino dos Colégios de Polícia Militar (CPM), um projeto do governo Rui Costa (PT) que, inclusive, antecipa o que acontecia no cenário nacional somente a partir de 2019. Segundo o sistema CPM, em 2020, cerca de 50 mil estudantes baianas (os) com idade entre 11 e 14 anos estavam em escolas de gestão compartilhada que atendem a normas comportamentais específicas que incluem regras sobre a apresentação pessoal e regulamento disciplinar. A matéria Metodologia Disciplinar de Ensino (MDE) foi criada especialmente para estas instituições com inclusão e conteúdo de instrução militar e é ministrada por PMs da reserva remunerada que integram a equipe disciplinar de cada escola.


A aplicação da disciplina é o principal argumento utilizado para implantação deste modelo escolar que conta com apoio da população em diversos municípios. Isso porque, são implementadas a partir de um discurso de proteção e tutela, principalmente, em áreas de avanço de criminalidade e maior acesso às drogas ilícitas. No entanto, a grande questão que tem se colocado para profissionais da educação e integrantes da população que se opõem a este processo diz respeito às violências que são produzidas dentro destes espaços, a partir de modelos de disciplina que vão de encontro a modelos pedagógicos emancipatórios, voltados para a construção de identidades autônomas e não para a subserviência.


Além da disciplina militar, altamente contestada como modelo educacional pela rigidez exigida no comportamento que impede, por exemplo, a “leitura de conteúdo que atente contra a moral e bons costumes”, o padrão estético imposto é outro grande agravante enfatizado por profissionais da educação.  Entre as determinações deste padrão está a de utilização de cabelos curtos caso sejam volumosos ou não possuam um padrão “alinhado” para utilização da boina, o que tem impactos majoritariamente na população negra e outros grupos minoritários que não se enquadram nesse padrão. Os corpos negros permanecem, nesse sentido, os indóceis que precisam de maior disciplina e intervenção.


Numa ação inédita, o Ministério Público Federal (MPF) do Acre quer garantir aos estudantes de escolas públicas militares e cívico-militares o direito a não seguir “padrões estéticos e de comportamentos baseados na cultura militar”. Se obtiver êxito a regra valerá para todo o país. Este é um passo fundamental para combater o racismo institucional na educação, sobretudo, nos espaços onde a militarização avançou e regras estéticas são admitidas.


Mais do que o fim do programa de escolas cívico-militares, a sociedade organizada precisa enfrentar a discussão pelo fim do processo de militarização nas escolas. Processo este que é incompatível com as Leis de Diretrizes e Bases da Educação, trazendo por trás de um discurso de aumento da qualidade da educação, políticas de segurança pública que em nada dialogam com questões pedagógicas fundamentais para o desenvolvimento de sujeitos numa sociedade democrática. Além disso, é preciso considerar que projetos que, excluindo a participação de profissionais habilitados para a discussão, se colocam como imediatistas para a resolução de problemas históricos que envolvem violências múltiplas no cenário escolar devem ser vistos com desconfiança, principalmente, aqueles que ao invés de promover o diálogo, contribuem para uma perspectiva conservadora, moralista e ainda mais segregacionista de sociedade.

Leia Também