Processo de criminalização da cultura cigana é ampliado após repercussão de assassinato na comunidade

20/07/2023

Nos últimos dias, os desdobramentos do crime bárbaro que ocorreu na cidade de Guaratinga, extremo sul da Bahia, e tirou a vida da jovem Hyara Flor Alves que faz parte da comunidade cigana está em evidência nas mídias brasileiras. Aos 14 anos, Hyara foi encontrada baleada na sua residência e morreu logo após receber os primeiros atendimentos, no dia 06 de julho. Logo após o crime, o companheiro de Hyara, que tem a mesma idade da vítima e está sendo apontado como suposto autor do crime, fugiu da cidade com o restante da família. Desde então, as circunstâncias da morte vêm sendo amplamente debatidas e o preconceito contra a população cigana ainda mais evidenciado.

 

O fato é que o feminicídio é um crime bárbaro que faz cada vez mais vítimas no Brasil. Nos noticiários e mídias sociais, diariamente, é possível acompanhar histórias fatais num país em que a cada seis horas uma mulher é morta. Porém, o assassinato de Hyara traz consigo mais um elemento que chama atenção da população, o fato dela ser parte da comunidade cigana. Isso faz com que as manifestações de discriminação e o processo de criminalização da população aumentem.


Para o cigano da etnia Calon, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e ex-representante dos Povos Ciganos na Comissão Estadual para a Sustentabilidade dos Povos e Comunidades Tradicionais (CESPCT/SEPROMI), Jucelho Dantas, existe uma tendência de generalizar a população cigana, o que provoca ainda mais preconceito, fazendo com que a repercussão do caso vá além da questão de ser um feminicídio que, por si só, já é um crime repugnante: “As aberrações continuam acontecendo em todas os setores da sociedade, não é exclusividade dos ciganos. Nós, ciganos, somos iguais a todos os outros membros da sociedade, mas a sociedade, de modo geral, pega os nossos defeitos e nos crucificam como se fossemos resumidos a isso. Como se estas barbaridades fossem parte da cultura cigana”, afirma Jucelho Dantas. O professor destaca ainda que qualquer tentativa de generalização da cultura é inverossímil.

 

Os estigmas que marcam a população cigana colaboram para um quadro de marginalização deste grupo que tem menos acesso às políticas públicas e se tornam mais vulneráveis. O próprio estado brasileiro reconhece isso ao apresentar números vagos sobre a quantidade populacional e sua localização no território. A invisibilização associada à desinformação contribui para a criminalização desses povos e culmina em relatos de perseguição e mortes constantes. O professor Jucelho Dantas, que segue no enfrentamento em defesa da população cigana, enfatizou sua tristeza diante de casos de violência que envolvem a comunidade. No ano de 2021, relatamos a perseguição e morte de diversos integrantes de uma mesma família cigana após o envolvimento de dois deles numa briga com policiais à paisana. Oito ciganos foram mortos, 15 baleados e outros tantos tiveram que fugir de suas casas para sobreviver. Infelizmente, este não foi um caso isolado. Confira a Nota de Solidariedade da Adufs sobre o fato.

 

Em relação à morte de Hyara Flor, nas redes sociais as manifestações de ódio e preconceito se multiplicam a partir da divulgação de mais detalhes da vida das famílias envolvidas, o que tem sido um espaço fértil para distorções e equívocos sobre a cultura cigana. Para o professor Jucelho Dantas este é um processo violento que tende a contribuir ainda mais com a desinformação em torno do povo cigano que é apenas mais um grupo que compõe a diversidade da população brasileira. “Nem melhor, nem pior, apenas diferentes. Estes são os povos ciganos”, conclui.

 

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