Docentes condenam caráter excludente e privatista do novo Ensino Médio

14/04/2023

Docentes da Rede Básica somaram-se às professoras/aos professores e discente da Uefs no debate

O novo Ensino Médio foi tema de uma rica discussão entre docentes e discentes da Uefs. Os debatedores Afonso Mancuso, lotado no Departamento de Ciências Humanas e Filosofia (Dchf) da universidade, além do professor da rede estadual de Feira de Santana e mestrando em Educação também por esta instituição, Iago Gomes, resgataram as conjunturas nacional e internacional para justificar o caráter excludente e mercadológico da reforma. Para ambos, a proposta ataca a universalidade da escola pública e a qualidade do ensino, prejudicando, principalmente, os alunos mais pobres, relegados a uma formação básica esvaziada. A precarização do trabalho docente também foi pontuada como um grave problema da proposta. A atividade aconteceu na Praça do Borogodó, Módulo III da instituição, na última terça (11).

 

Iago Gomes, o primeiro debatedor a se pronunciar, fez um breve histórico sobre o neoliberalismo econômico e sobre a influência desta doutrina no processo de reorganização do Estado nos países da América Latina, notadamente nas políticas educacionais da rede básica e superior. Conforme o professor, no Brasil, houve a incorporação formal de organizações capitalistas como parte da estrutura de governança da educação pública, culminando com a privatização do setor. Para exemplificar o alinhamento e intervenção cada vez maiores dos projetos privados com as políticas públicas de ensino, resgatou a atuação de fundações e fóruns, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

 

“As políticas de austeridade adotadas no país, como as reformas do Ensino Médio e trabalhista, a Lei da Terceirização (13.429/2017) e, anos depois, o crescimento de grupos de extrema direita, inclusive na política, compõem um pacote de medidas que contribuiu com a privatização do setor público e com a destruição das políticas sociais”, contextualizou inicialmente o docente, acrescentando que “no bojo deste processo, agem a OCDE, as fundações Roberto Marinho, Itaú e tantas outras, que criam iniciativas voltadas para a formação de uma mão de obra aos moldes do sistema capitalista e, cada vez mais, retiram do Estado a função de formulador das políticas públicas. Enfrentar a participação desses grupos empresariais na direção político-pedagógica das escolas é um grande desafio para a classe trabalhadora”.

 

Iago Gomes também compartilhou a experiência da unidade de ensino onde leciona com a implantação do novo Ensino Médio. A fala do docente só confirmou os graves problemas enfrentados pela comunidade escolar. “A unidade educacional tem apresentado várias dificuldades para implementar o projeto, pois não há estrutura física para tal, inclusive para os itinerários práticos. Também sofremos com a ausência de professores para os itinerários. Por isso, a carga horária de trabalho aumentou e foi necessário assumir disciplinas fora da nossa área de formação. Há precarização do trabalho docente. A mobilização é a alternativa que temos para conseguir a revogação desta reforma”, relatou o professor.

 

Educação e mundo do trabalho

Segundo debatedor a se pronunciar à mesa, o professor Afonso Mancuso relacionou a crise do sistema capitalista pós-segunda guerra mundial e a queda das taxas de lucro dos grandes empresários com a imposição, à classe trabalhadora em todo o mundo, de condições de trabalho cada vez mais precarizadas. Adequar a mão-de-obra para as mudanças no mundo do trabalho, de acordo com o docente, exigiu alterações nas políticas públicas educacionais, que foram coordenadas pelo Banco Mundial.

 

“O que está acontecendo com a reforma do Ensino Médio, em termo de política pública educacional, não tem nada de novo. Toda vez que a gente analisa a educação e as políticas públicas para a educação, temos de comparar com as mudanças no mundo do trabalho. A crise internacional gerou uma queda da taxa de lucros, após a segunda guerra mundial. E a receita da burguesia foi aumento da jornada de trabalho, perda de direitos e arrocho salarial, a mesma que gere as reformas trabalhistas no mundo inteiro. A Educação foi a grande preocupação: preparar a mão-de-obra para esse novo trabalho que surgia, mais precarizado do que o anterior. Desde os anos 80, no mínimo, o Banco Mundial dá as cartas da educação pública internacional. Nos anos 90, a Unesco representando organismos internacionais econômicos, organizou conferências internacionais e determinou políticas públicas para os países em desenvolvimento. Tanto a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), quanto às Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica tiveram como base essas conferências, que resultaram na elaboração de um relatório voltado à educação para um novo século”, detalhou o professor da Uefs.

 

Afonso Mancuso também explicou que as reformas educacionais ocorridas após este processo se basearam na flexibilização curricular, com a substituição das disciplinas clássicas, “para a preparação da classe trabalhadora para o desemprego estrutural e o mercado de trabalho flexível. O novo Ensino Médio responde exatamente a essa flexibilização curricular, como mostra o texto do Ministério da Educação. Disciplinas que levam à criticidade de pensamento e à visão social do mundo são substituídas. Desde os anos 80, o que está em jogo é a mudança de paradigma da educação pública: da formação humana intelectual, cultural e física, para a empregabilidade. A grande motivação é econômica. O empresariado brasileiro vem assediando a educação pública no nosso país há muito tempo, tal qual o empresariado internacional em nível global”.

 

No Brasil, o esboço dos itinerários formativos foi traçado pelo Movimento pela Base. “Do qual saiu o PL 6840/2013. Depois, a MP 746/2016 e a Lei 13415/2017, que regulamenta a reforma do Ensino Médio e provoca alterações profundas na LDB’, explicou o docente, informando que entre os componentes do Movimento pela Base e do Todos pela Educação estão grandes conglomerados econômicos, a exemplo do Itaú Educação e Trabalho, Instituto Ayrton Senna, Volkswagen, Kroton Educacional e Unibanco. Na sua análise tais grupos têm se dedicado a “defender a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a LDB, os itinerários formativos, o ensino de empreendedorismo, o protagonismo juvenil, a ênfase na formação profissional e técnica, as habilidades práticas e as competências socioemocionais em detrimento de conhecimentos interdisciplinares porque cada um dos elementos que compõe o novo ensino médio corresponde a um nicho de atuação empresarial. É uma estratégia que esses grupos chamam de ESG (sigla que em inglês significa Ambiental Social e Governança), critérios de sustentabilidade das empresas. A reforma é um sistema que induz a mercantilização de tudo. O neoliberalismo e o fascismo têm muito mais semelhanças do que diferenças”.



Os professores Afonso Mancuso (esquerda) e Iago Gomes (direita) resgataram

as conjunturas nacional e internacional para detalhar as críticas


 

Novo Ensino Médio

A reforma foi introduzida por meio de uma medida provisória do governo de Michel Temer em 2017 e instituída por lei em 2018, mesmo sob muita luta, com estudantes ocupando escolas em todo o país. O novo Ensino Médio já começou a ser implementado, por etapas. No ano passado, o projeto foi introduzido para estudantes do 1º ano. Neste ano estava em curso a adoção pelo 2º ano e, em 2024, a reforma chegaria ao 3º ano e ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

 

Após críticas e cobranças de estudantes e da classe trabalhadora, o Ministério da Educação (MEC) anunciou, no dia 4 de abril, a suspensão dos prazos, em curso, do Cronograma Nacional de Implementação do Novo Ensino Médio. A Portaria nº 627 foi publicada no Diário Oficial da União no último dia 5 de abril e tem validade por 60 dias. A medida suspende a implementação apenas onde o novo currículo e itinerário para o Ensino Médio não foi ainda adotado. No entanto, a proposta deve ser revogada, pelo caráter excludente, mercadológico e privatista!

 

A mobilização de terça-feira (11) foi convocada pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) e integra uma agenda de lutas pela revogação do novo Ensino Médio. A Adufs participa de algumas atividades. Docentes da Educação Básica de Feira de Santana também participaram da atividade. O debate aconteceu na Praça do Borogodó.

Leia Também