Ataques à autonomia universitária se intensificam logo no início de 2022 reforçando a necessidade de defesa irrestrita à soberania das universidades

05/01/2022

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A autonomia universitária é uma garantia assegurada pelo art. 207 da Constituição Federal ao estabelecer que as universidades têm autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Como definiu o sindicato nacional no seu caderno de texto na Proposta do Andes-SN para a Universidade Brasileira: “as definições do financiamento, da carreira docente, da política de pessoal, do regime jurídico, do processo de escolha de dirigentes, da avaliação, entre outros aspectos, dependem da conceituação de autonomia universitária adotada”. Leia o caderno na íntegra. Em sua vasta trajetória de lutas, a autonomia universitária tem sido uma das principais bandeiras do Andes-SN que defende ainda que a universidade deve estar incondicionalmente a serviço do interesse público, o que não acontece quando os governantes intervêm.

 

Uma destas intervenções ocorreu na última semana, através de despacho do Ministro da Educação no qual afirmava que as universidades federais não poderiam exigir comprovante de vacinação na volta às aulas, contrariando o que as instituições haviam definido. A imposição do Ministério da Educação (MEC) foi amplamente criticada e na última sexta-feira (31), o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o despacho. Na decisão, o ministro Lewandowski enfatiza que as universidades têm autonomia universitária para estabelecer suas próprias regras, sem interferência externa.

 

Antes mesmo da decisão da Suprema Corte, a Universidade Federal da Bahia (UFBA) já havia firmado posição contrária ao despacho do ministro com base legítima no art. 207 e a resolução do Conselho Universitário da Universidade reforçando que não permitiria intervenção na autonomia deliberativa do Conselho que definiu, como requisito para volta presencial, a exigência de comprovação do esquema completo de vacinação.

 

Diante de um cenário de incertezas com o avanço da variante Ômicron que já confirma crescimento recorde nos casos de contaminação em todo o mundo, a exigência garante o mínimo de segurança para trabalhadores e trabalhadoras da educação e estudante no retorno às aulas. Isso porque, já foi confirmado que embora a vacinação completa não impeça a contaminação, ela ameniza os sintomas diminuindo substancialmente os casos de gravidade. Apesar disso, o aumento do número de casos gera sobrecarga no sistema de saúde; logo, se faz necessário também manter os demais cuidados com a segurança para barrar o contágio, como a utilização de máscara e evitar aglomerações.

 

No entanto, este caso não diz respeito somente à pandemia; dialoga diretamente com o modus operandi de violação da soberania constitucional que tem ocorrido de forma recorrente no âmbito das instituições, não apenas nas federais. O artigo publicado pelo professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Roberto Leher, mostra como tal atitude é um reflexo das investidas da extrema direita ao redor do mundo e ainda evidencia as múltiplas ocorrências de intervenção pelo governo federal: “O leque de investidas é largo, abrangendo nomeações ilegítimas de reitores, programas como o Future-Se e o Reuni Digital, passando por ingerências governamentais na CAPES e nos órgãos de fomento. Com a referida medida alcança o que é mais precioso nas universidades e institutos: sua dignidade acadêmica, os valores democráticos e o compromisso com os direitos humanos”. Leia na íntegra.

 

No contexto estadual, os ataques à autonomia universitária também ocorrem e motivam a integração da pauta nas reivindicações de 2022 do Movimento Docente (MD). Alinhado com o governo federal no processo de sucateamento e desmonte da educação pública, o governo estadual demonstra seu total autoritarismo, realizando uma série de ataques à autonomia das universidades estaduais que dificultam, quando não inviabilizam, as ações da gestão e comprometem as atividades de ensino, pesquisa e extensão.

 

Para citar alguns exemplos do autoritarismo de Rui Costa em ação, docentes tem sido impedidos de  realizar cursos em outros países, com alegações de que a liberação ficaria condicionada à suspensão salarial e/ou ao não reconhecimento da licença sabática; a manutenção da possibilidade da escolha do/a Reitor/a, através da Lista Tríplice e não diretamente do nome mais votado na eleição de cada universidade; de forma recorrente docentes são impedidos de fazer progressões na carreira com a justificativa de limitação orçamentária, quando, na verdade, o governo dispõe de limite suficiente para impulsionar os planos de carreira e garantir o que dispõe o Estatuto do Magistério Superior.

 

Garantir a autonomia universitária é um ponto importante da pauta de reivindicações 2022 dos docentes das Universidades Estaduais da Bahia justamente porque, de forma recorrente, as universidades têm sofrido ataques que comprometem o andamento das atividades. No ponto Autonomia, da Pauta protocolada no fim de dezembro de 2021, os seguintes subtópicos são reivindicados:

 

- Garantia da autonomia universitária das UEBA, conforme art. 207 da Constituição Federal;
- Garantia do direito à liberação de docentes para realização de cursos em outros países;
- Garantia do custeio, pelo governo do Estado, das despesas docentes para a realização de cursos, apresentação de trabalhos e outras atividades inerentes ao trabalho docente (formação, pesquisa ou extensão) em outros países;
- Supressão da lista tríplice no texto do Estatuto do Magistério Superior em favor da nomeação do mais votado ou mais votada para eleição de Reitoria realizada em cada Universidade;
- Respeito à autonomia das UEBA em relação à gestão de pessoas.

 

A reivindicação é urgente e indispensável, tendo em vista que não há tréguas por parte do Governo Rui Costa. A prova disso são os Projetos de Lei apresentados à Assembleia Legislativa da Bahia no apagar das luzes de 2021. Estes Projetos são a prova da sanha autoritária de um governo que ao longo de 08 anos tem se empenhado em precarizar o serviço público e a carreira de servidores/as. Os Projetos de Lei Nº 24.425/2021 e Nº 24.433/2021 que preveem reajuste linear de apenas 4% ao conjunto de servidores/as para 2022. A proposta reduz os percentuais dos interstícios entre classes e níveis, já definidos no Estatuto do Magistério Superior. A proposta de aumento de valor fixo, apresentada pelo Governo Rui Costa, desestrutura o Plano de Cargos e Carreiras, além de ser um valor irrisório quando analisada a porcentagem que deveria ser oferecida diante de tantos anos sem reposição de inflação: 50,9%. Leia na íntegra a matéria sobre o pacote de maldades de fim de ano do Governo Rui Costa.

 

A não intervenção na autonomia da universidade deve ser um direito inviolável, já que está diretamente relacionado à garantia de qualidade das atividades e isenção nas ações em benefício das instituições, servidores/as, demais funcionários, estudantes e toda a comunidade que delas se beneficiam, assegurando que as instituições sirvam aos valores democráticos e não a interesses de governos como vem acontecendo tanto no âmbito federal no estadual. É válido ressaltar que as interferências ocorrem não sem esbarrar nas múltiplas frentes de resistência, como é o caso do MD, que segue nos enfrentamentos contra os desmandos autoritários governamentais.

 

A construção coletiva e através de consulta às bases por meio de assembleias, como tem sido elaboradas as pautas de reivindicações do movimento, comprova a importância da luta coletiva e reforça a importância da soma de esforços entre categorias distintas que têm sido atacadas pelas mesmas lideranças empenhadas na destruição das instituições públicas. Para o ano de 2022, que deve ser de ainda mais ataques e tentativas de retrocessos diante da conjuntura econômica, a intensificação das lutas será um passo fundamental para a garantia da soberania das instituições públicas e de melhores condições de trabalho para servidores e servidoras.

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