Vereador mais votado da história de Feira de Santana é negro, professor e militante do movimento negro

19/11/2020

As Eleições Municipais 2020, realizadas no último domingo (15) entraram para história de Feira de Santana. Excepcionalmente neste ano, realizado no mês da Consciência Negra, o pleito foi marcado pela entrada de Jhonatas Monteiro (PSOL), um homem negro, de periferia, militante antirracista e defensor das minorias, como o vereador eleito mais votado da história do município. Foram 8.292 votos no total, uma diferença de mais de 2.400 votos em relação ao segundo colocado. Jhonatas Monteiro é professor de História da rede estadual de Feira de Santana, mestre e doutorando também na área de História.

A eleição do Rasta, como é conhecido, para a Casa da Cidadania de Feira de Santana no mês em que celebramos as lutas da população negra frente ao racismo em todas as suas vertentes é simbólica e, mais do que isso, representa o êxito das formas de organização e resistência desse grupo para ampliar a representação negra nos espaços decisórios fundamentais para a mudança significativa na sociedade.

Para Jhonatas, a sua eleição aponta para uma realidade contraditória e em constante conflito no município, já que, embora em Feira de Santana os indicadores sociais sejam reveladores do descaso com o qual a população negra vem sendo tratada pelos poderes públicos; por outro, fica evidente que as pessoas têm se organizado coletivamente para manter o enfrentamento ao racismo estrutural. “Embora o município tenha estabelecido cotas de corte racial no funcionalismo público municipal, qualquer outra política que pressupõe algum sentido afirmativo para produzir resultados que equilibrem essa situação de profundo racismo; elas são incipientes no município. Elas, na verdade, inexistem na maior parte das áreas. Mesmo o Conselho Municipal das Comunidades Negras e Indígenas, ele tem uma função muito mais alegórica do que efetiva no debate e cobrança pela implementação dessas políticas públicas. Então, há dificuldades de diferentes formas [...] Ao mesmo tempo em que o município nega essa dimensão negra na sua própria existência, você tem uma sensibilidade que produziu experiências diversas que se afirmam como forma de luta. Diante disso, a votação é expressão dessas experiências de resistência, dessa sensibilidade em torno da necessidade de uma postura antirracista”, afirma.

As múltiplas expressões de luta no interior da população negra que é diversa desde sua origem, tem contribuído de forma decisiva para o combate ao racismo, manifestando sua força, principalmente, através da luta coletiva. Como Jhonatas Monteiro fez questão de afirmar logo após o resultado das eleições, a vitória da sua candidatura foi construída por muitas mãos, o que agrega ainda mais responsabilidade para o seu mandato, até por isso, seu programa foi construído no diálogo com diversos grupos e movimentos organizados do município para entender as demandas reais e organizar os próximos passos para a ação na Câmara.

Antirracismo na Casa da Cidadania

O compromisso antirracista, uma das principais bandeiras defendidas pelo Rasta, está expresso no seu programa de campanha e deve orientar a sua postura como parlamentar.

Entre os eixos propostos nesse programa, está o de Identidade e Antirracismo que reflete sobre o abandono do poder público, principalmente, às periferias, onde está concentrada a maior parte da população negra, mas também traz o resultado do diálogo com movimentos e entidades que estão em outras frentes de luta contra o racismo institucional. Neste eixo, é possível identificar exemplos do que deve ser feito pelo vereador eleito a partir de janeiro de 2021. Entre eles estão, a fiscalização da implementação da Lei 11.645/08, no campo da educação. 

A Lei 10.639/03 é um marco significativo para os movimentos negros organizados porque instituiu a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira no currículo na Educação Básica, púbica e privada. A Lei 11.645/08, amplia seu raio de ação incluindo também a discussão sobre as culturas indígenas. Para Jhonatas, a fiscalização desta Lei é fundamental e deve ocorrer não em relação a atuação dos docentes, mas em relação às condições que a Secretaria de Educação tem oferecido para que estes temas cheguem as salas de aula: “Avançar nisso significa a possibilidade de um ambiente escolar mais acolhedor para a população negra, que contribua para a sua valorização, estima e sobretudo afirmação”, afirma.

No campo da saúde, outra proposição significativa. O debate sobre o Programa de Atenção Básica direcionado às pessoas com doença falciforme em Feira de Santana, já que, segundo Jhonatas, o programa local retira significativamente a responsabilidade do município no fornecimento de condições de saúde para as pessoas acometidas pela doença que são, em sua maioria, negras já que é uma doença que, comprovadamente, atinge mais essa população.

Em relação à segurança pública, tema caro para a população negra feirense que convive com estatísticas perversas de mortalidade de jovens, a proposta é de construção de um mapa da violência, com critérios raciais e de gênero, para compreender de que forma vem ocorrendo, o que ele chama de extermínio da juventude negra de Feira de Santana: “De modo geral, isso é naturalizado como parte da paisagem. Todos os dias as pessoas escutam nos veículos de comunicação formas diversas de assassinatos, de violências cometidas de modo extralegal, inclusive por agentes do Estado, coisas associadas à lógica de resolução violenta de conflitos que está colocado na sociedade e isso é naturalizado, banalizado. Portanto, a ideia é propor, por iniciativa legislativa, a criação de um instrumento que estabeleça, dê transparência aos dados e ajude a orientar o debate no enfrentamento ao racismo institucional. Associado a isso, reorientar o debate público por meio da orientação dos direitos humanos”, enfatiza.

Outro caráter importante de seu mandato, destaca Jhonatas, será a atuação para (re) construção positiva da dimensão simbólica da população negra feirense: “Feira tem dificuldade de se aceitar como um lugar negro e até hoje temos aqui logradouros, praças ruas, associadas à memória mais de quem foi escravocrata ou se beneficiou dessa instituição e pouca visibilidade a um conjunto de figuras de negros e negras que construíram esse município. Disputar isso, renomeando, revisando os nomes que marcam o espaço público do município para disputar a visão que Feira tem sobre seu próprio município, pode contribuir para que as pessoas entendam que no passado seus antepassados lutaram e que é possível no presente lutar para construir outro futuro onde se estabeleça que, só é possível pensar democracia se pensar a superação do racismo”, afirma Jhonatas Monteiro. 

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