Educação remota apresenta limitações

22/04/2020

Em virtude da pandemia do novo coronavírus (Covid 19), as administrações de muitas universidades do país estão lançando mão de soluções de recursos digitais de aprendizagem, inspiradas na modalidade Educação a Distância (EAD), para dar continuidade às atividades acadêmicas. Mas, as estratégias de ensino remoto têm muitas limitações e não atendem a todos da mesma maneira.

As evidências indicam que lacunas de diversas naturezas são criadas sem a interação presencial. Sabe-se que na realidade brasileira, o acesso e uso de computadores e celulares não são universais, muito menos a internet. Os alunos podem ter dificuldade para manusear ou acessar computadores e internet fora do ambiente acadêmico; os professores podem não ter a habilidade pedagógica e tecnológica necessária para adaptar a aula presencial à EAD; além disso, as instituições de ensino muitas vezes carecem de infraestrutura de Tecnologia da Informação (TI) necessária para alta demanda de aulas virtuais e de uma equipe de apoio para orientar professores na elaboração de novos planos de aulas e no desenvolvimento de estratégias para cumprir o programa.

Na Uefs, onde a continuidade das atividades acadêmicas para a maior parte dos docentes teve de ser através da internet, foram muitas as dificuldades relatadas, desde a inabilidade tecnológica por parte destes para conduzir as atividades à falta de um setor da instituição para orientá-los. Alguns relatos apontam que o trabalho vem sendo desenvolvido sem as condições necessárias e com muita precariedade.

Para Eblin Farage, secretária-geral do ANDES-SN, independentemente do debate pedagógico sobre a EAD, é equivocada a ideia de achar que a Educação a Distância, neste momento, para a realidade concreta da maior parte das universidades públicas, seria uma saída. Segundo a docente, se a continuidade das atividades acadêmicas através do uso das novas tecnologias se confirmar, o elevado grau de desigualdade da EAD deve ficar ainda mais evidente. Por isso, ainda conforme a docente, o Sindicato Nacional vem defendendo a suspensão do calendário escolar em todas as instituições de ensino, com manutenção do salário integral para os trabalhadores tanto da rede pública, como da iniciativa privada. A defesa é de inviabilização do ensino a distância por conta da precariedade das condições materiais e da falta de condição de professores e estudantes de utilizarem uma plataforma para a qual não estão preparados.

“Temos um país com grandes diferenças econômicas e sociais. Quando acabar o período da pandemia, vamos discutir a reposição do calendário acadêmico, de acordo com cada realidade. É um equívoco manter os calendários escolares. É um equívoco tentar manter uma aparente normalidade para uma situação que não é normal. Então, a quem interessa parecer que está tudo normal? Talvez interesse àqueles que estão indo para a televisão dizer que os trabalhadores precisam ir às ruas e tem de voltar a trabalhar porque o mais importante é salvar a economia”, disse Farage.

Educação pública X educação privada
A necessidade de parar as atividades acadêmicas e de pensar cautelosamente um conjunto de ações para o período de volta às atividades, considerando a flexibilização dos trabalhos por conta da realidade de cada região, foi endossado por Valdelaine Mendes, professora pesquisadora na área de política educacional da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel).

A docente destaca que tanto na educação básica, quanto na superior, vê-se uma preocupação muito grande em concluir as atividades, a carga horária e os conteúdos programáticos para fechar o ano e o semestre, respectivamente. A condução dos trabalhos neste formato, de acordo com Mendes, prejudica o processo de ensino-aprendizagem porque nem todos têm acesso à internet e faltam interlocução e relação entre as pessoas. “Temos de analisar quais são as novas possibilidades e o que pode ser feito daqui para frente, depois que sairmos deste processo da pandemia. 2020 não será cumprido como nos anos anteriores e talvez se estenda para outros anos. Educação não é apenas cumprir conteúdos programáticos; é pensar interlocução e formação. A defesa das aulas on line incentiva uma forma de ensino que não deve ser a principal, mas apenas suporte para os docente", afirmou.

Valdelaine Mendes acrescenta que uma das tensões a serem enfrentadas é a da relação entre a educação pública e a educação privada no Brasil. Para a professora, há uma presença marcante da iniciativa privada na oferta de vagas na educação brasileira, notadamente no ensino superior, e importante financiamento por meio da concessão de bilhões de reais concedidos pelo poder público às instituições particulares de ensino, através de programas como o Prouni e o Fies. A oferta dessas vagas, muitas vezes, se dá através da EAD. A docente também afirmou que há uma concentração da oferta de vagas na educação a distância nos cursos de formação de professores, o que precariza a formação desses sujeitos e, consequentemente, dos estudantes.

“No Brasil houve um crescimento da oferta de vagas no ensino superior muito grande, principalmente através da instituição privada de ensino. O meio para a formação dos estudantes desta rede, em grande parte, é a educação a distância. Esse modelo de formação é mais econômico para as instituições privadas”, avaliou a docente.

Uefs
Na Uefs, uma minuta de resolução para a oferta de componentes curriculares na modalidade a distância (EAD) nos cursos de graduação presencial está sendo discutida na Câmara de Graduação e nos colegiados da instituição e, se aprovada, será encaminhada ao Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe) para apreciação. Para a diretoria da Adufs, no entanto, a implantação da educação EAD é uma porta de entrada para a precarização das condições de trabalho e estudo.

Na conjuntura atual, políticas neoliberais do governo, tanto no âmbito federal quanto no estadual, estão criando um mercado educacional no país, com a mercantilização da educação. Os governos que servem à burguesia justificam a intervenção da iniciativa privada no setor sob o argumento de que é necessário, via educação pública, qualificar o trabalhador e melhorar a qualidade da mão de obra diante do avanço tecnológico. Uma das estratégias privatizantes, neste caso, é a educação a distância. Apesar de o processo privatizante da educação ser defendido em nível federal, na Bahia, o governador Rui Costa segue a mesma política do governo Bolsonaro. Portanto, abrir as portas da instituição para o ensino na modalidade EAD é um modelo que não deve ser seguido.

A diretoria da Adufs entende que propor este debate daria ao governo do Estado a possibilidade de fragilizar a carreira, como evitar a realização de concurso público, por exemplo. Além disso, o ensino na modalidade a distância impõe um modelo tecnicista ao processo de ensino-aprendizagem.

Leia a nota da Adufs sobre as deliberações do CONSU para regulamentar as atividades durante o isolamento e a finalização do semestre 2019.2 

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