Reforma trabalhista retira direitos dos trabalhadores

16/10/2017

Publicada no dia 14 de julho no Diário Oficial da União, a Lei nº 13.467, que altera a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) se configura como um dos grandes ataques do governo Michel Temer (PMDB) à classe trabalhadora brasileira. A CLT, aprovada em Decreto-Lei de nº 5.452 em 1º de maio de 1943, teve 100 artigos alterados e nenhum diálogo com a sociedade. Assim, de cima para baixo, as leis trabalhistas foram modificadas em favor de uma “modernização” que, na verdade, se caracteriza como um favorecimento à classe patronal. A lei, que já era frágil, com a reforma representa, na opinião de especialistas, o fim das políticas de proteção aos direitos trabalhistas.

Essa é a opinião da professora titular da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Graça Druck. A pesquisadora do Centro de Recursos Humanos (CRH/Ufba) e do CNPq tem o trabalho voltado para identificar como os efeitos da crise do capitalismo incidem diretamente na perda de direitos e na precarização das relações de trabalho. A Lei, que entra em vigor a partir de novembro do corrente ano, é, de acordo com a professora, “o maior ataque que a classe trabalhadora já sofreu nos últimos tempos”.

Adufs - Assim como em outros assuntos de interesse da classe trabalhadora, a mídia brasileira tem atuado para mostrar a reforma trabalhista como algo positivo. Como o projeto aprovado pelo Congresso fragiliza as políticas de proteção social?

Graça Druck - A grande mídia e todos os demais segmentos do empresariado brasileiro estão unidos em torno das reformas e têm feito uma verdadeira campanha para que sejam aprovadas em nome de uma falaciosa expectativa de que elas irão possibilitar a retomada do crescimento econômico e, desta forma, recuperar o emprego.

A reforma trabalhista representa o maior ataque que a classe trabalhadora já sofreu nos últimos tempos. É uma lei que é inconstitucional, conforme demonstrado pelo documento do Ministério Público do Trabalho, de 26 de junho, dirigido aos senadores, apontando 12 mudanças que violam a Constituição. Dentre elas: a pejotização, que acaba com a relação de emprego e, portanto, de todos os direitos garantidos constitucionalmente, inclusive a remuneração não inferior a um salário mínimo; o trabalho intermitente, que rompe com a jornada mínima de trabalho, pois o trabalhador ficará à disposição da empresa “ad infinitum”, recebendo por tempo de trabalho realizado ou hora trabalhada, implodindo com o salário mínimo; o fim do limite da jornada de trabalho, pois poderá exceder as oito horas diárias, se for acordado entre empregador e empregado; a redução das horas de descanso de intervalo de almoço; a dificuldade de acesso à Justiça do Trabalho, com a cobrança dos custos do processo dos trabalhadores e o esvaziamento do papel da Justiça do Trabalho, pois permite que os empregados e empregadores assinem um “termo de quitação anual de obrigações trabalhistas” e, por fim, a prevalência do negociado sobre o legislado, pois os acordos coletivos e até negociação individual estarão acima da lei. Esse último é o tiro de morte na Consolidação da Leis do Trabalho (CLT). E, portanto, não se trata de “fragilização das políticas de proteção social”, mas representa o fim dessas políticas.

Além de ser inconstitucional, essa reforma trabalhista é ilegítima, pois é proposta por um governo fruto de um golpe, por um congresso nacional completamente desmoralizado, constituído por uma maioria de parlamentares denunciados, implicados e envolvidos em processos de corrupção e impõe um projeto que muda radicalmente a legislação do trabalho no país, sem qualquer discussão com a sociedade, especialmente as representações dos trabalhadores.

Adufs - Uma das características do capitalismo é a submissão do capital à lógica financeira e um dos pontos aprovados com a reforma trabalhista é a negociação direta entre patrões e trabalhadores. O que isso representa na prática?

Graça - Para além da hegemonia do capital financeiro, como um dos principais aspectos da globalização, estamos vivendo uma era de recrudescimento do neoliberalismo. Isto é, o projeto econômico, político, social e ideológico neoliberal vem se aprofundando e segue sendo implementado no plano mundial, mesmo que de forma desigual, pois depende da história e das lutas de classes em cada país. O projeto neoliberal permite ao capital desenvolver ao máximo a sua tendência a explorar o trabalho sem nenhum limite, sem nenhum controle e nenhuma regulação. No caso do Brasil, o desmonte da CLT, através do “negociado sobre o legislado”, representa a possibilidade de se efetivar essa tendência, com a intensificação da exploração do trabalho sem limites, o que levará a um quadro de amplificação da precarização do trabalho, processo já em curso e que atinge, mesmo que de forma diferenciada, o conjunto dos trabalhadores brasileiros.

Adufs - Pensando que algumas das propostas presentes no projeto são formulações de entidades patronais, o que essa flexibilização implicará?

Graça - A flexibilização do trabalho já é uma realidade no mercado de trabalho brasileiro. Em minhas pesquisas, tenho buscado demonstrar que flexibilização e precarização do trabalho são sinônimos, pois constituem um movimento estrutural no Brasil e, na imensa maioria das pesquisas realizadas no país, os resultados evidenciam que flexibilizar é precarizar. O exemplo maior de flexibilização e precarização é a terceirização, cuja nova Lei 14.429/17, aprovada em março deste ano, libera completamente a terceirização para todas as atividades (fim e meio) no setor privado e público. São vários os indicadores de flexibilização/precarização do trabalho anteriores à reforma trabalhista: a epidemia da terceirização, marcada pelo desrespeito aos direitos trabalhistas, por rebaixamento salarial, maiores jornadas de trabalho, por discriminação, por maiores índices de acidentes e maior rotatividade. Os índices de rotatividade no trabalho no Brasil são os mais altos do mundo, o que indica a liberdade dos empresários em demitir os trabalhadores.

Atualmente, segundo dados do IBGE (PNAD continua), para o primeiro trimestre de 2017, apenas 37,8% do total dos ocupados tinham carteira de trabalho assinada, ou seja, estavam sob a proteção da CLT. Se somarmos a taxa de desocupação (13,7%) com os sem carteira assinada (inclusive os autônomos) (36,4%), teremos 50,1% dos trabalhadores sem proteção trabalhista no país. Isso antes da reforma trabalhista! Ou seja, a (falsa) “rigidez da legislação”, conforme argumentam os empresários, só vale para uma minoria dos trabalhadores brasileiros hoje. Imaginem após a reforma trabalhista, o que acontecerá.

Não bastasse esse dado, os empresários também argumentam que a rigidez e o detalhamento da CLT têm levado a um excesso de processos na Justiça do Trabalho. No entanto, no relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça-CNJ, de 2016, 49,43% das demandas trabalhistas, em toda a Justiça do Trabalho, decorrem do não pagamento das verbas rescisórias a que tem direito os trabalhadores demitidos. Na sequência, vêm os pedidos de pagamento de horas extras registradas e não pagas pelos empresários e o reconhecimento do vínculo de emprego. O Dossiê Reforma Trabalhista, produzido pelo CESIT/Unicamp em 2017, analisa esses dados e demonstra que “...o excesso de demandas trabalhistas no Brasil é, na realidade, fruto do descumprimento sistemático de direitos essenciais dos trabalhadores brasileiros. ”

A ganância do capital não tem limites. Ter a liberdade de contratar trabalhadores autônomos, sem relação de emprego, usar o trabalho intermitente, transformando o empregado num “empreendedor de si mesmo”, por tempo parcial, por teletrabalho, são todas formas precárias de trabalho, que descaracterizam a relação de emprego, assim como desresponsabilizam os empresários com qualquer custo sobre direitos do trabalho, pois estes já não mais vigoram para esses trabalhadores.

Para uma minoria, como já ocorre hoje, mas que se tornará menor ainda, isto é aqueles que serão contratados através do emprego, maiores jornadas de trabalho, menor tempo de descanso ou intervalo para almoço, o parcelamento de férias, a possibilidade de redução salarial, se for fruto de livre negociação e anulação das normas de proteção à saúde do trabalhador, pois essas agora serão negociadas; e ainda define que as mulheres grávidas poderão trabalhar em ambientes insalubres, que serão definidos pelo grau de insalubridade, dentre outras medidas da Lei 13.467.

As reformas trabalhistas no mundo
A recente reforma aprovada no Brasil segue em sintonia com outras iniciativas pelo mundo. Desde 2008, ano do ápice da crise do sistema capitalista, diferentes países entraram em processos de recessão, cortes de verbas destinadas aos serviços públicos e reformas nas legislações trabalhistas. Essas que, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), não surtiram efeitos em segurar o aumento das taxas de desemprego, muito pelo contrário, fizeram que os números aumentassem em curto prazo, como também aponta Graça Druck.

Adufs - As políticas de austeridade que foram implementadas em países da Europa vieram também com reformas trabalhistas que influenciam no desmonte das políticas públicas e na proteção social. Guardadas as devidas comparações, como o que acontece hoje no Brasil se assemelha com as situações de outros países?

Graça - Em 2015, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), publicou um estudo sobre os impactos das reformas trabalhistas no nível do emprego (Labour market reforms since the crisis: Drivers and consequences, de autoria de Dragos Adascalitei and Clemente Pignatti Morano). Os autores analisaram a relação entre proteção ao trabalho, desemprego, taxa de ocupação e participação. Numa primeira base de dados, para 63 países, nos anos de 1993 a 2013 e numa segunda investigação em 111 países, no período de 2008 a 2014. As conclusões do estudo mostram que em termos estatísticos não se comprova a relação entre rigidez da legislação trabalhista e nível de emprego. Além de ressaltarem que nos países onde houve mudanças na legislação com maior desregulamentação, o desemprego aumentou e onde aumentou a regulamentação, o desemprego caiu no longo prazo.

Há evidências publicadas em artigos e pela imprensa que naqueles países em que houve uma drástica reforma trabalhista, não só o desemprego não diminuiu, como as formas de inserção precárias tem levado milhões de trabalhadores, jovens principalmente, a uma situação de desespero diante da falta de perspectivas de futuro e de sobrevivência digna. É a chamada “geração desencantada”. É o caso mais destacado da Espanha, com altos índices de desemprego (18%) e 43% entre os jovens, desde a reforma trabalhista feita em 2012, que não estancou o desemprego e ainda criou um enorme rebaixamento salarial, inclusive para postos de trabalho mais qualificados, criando uma instabilidade permanente. E é nessa reforma trabalhista na Espanha que Temer disse ter se espelhado para propor a reforma no Brasil. Um governo ilegítimo, um congresso desmoralizado, que se sustenta com o apoio do empresariado para exatamente “realizar as reformas”, não pode ser respeitado. Um governo que tem 93% de rejeição nas pesquisas junto à sociedade brasileira faz a diferença em relação a outros países em que as reformas estão sendo realizadas. São todas de natureza regressiva, de retirada de direitos, fruto de uma violação à democracia, de desrespeito à constituição brasileira e aos trabalhadores. E por tudo isso, não podem ser aceitas e respeitadas.  

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